Arte é liberdade!

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Coimbra, Concerto «Música com Paredes de Vidro»

Álvaro Cunhal interligou a sua intervenção revolucionária no plano político com um apaixonado interesse por todas as esferas da vida

Quarta 6 de Novembro de 2013

Permitam-me que vos dirija algumas palavras que serão essencialmente de agradecimento a todos os que proporcionaram esta iniciativa e a todos os que aqui se deslocaram para se integrar neste acto eminentemente cultural evocativo de Álvaro Cunhal na terra que o viu nascer.

A todos os presentes o nosso muito obrigado.

Queria, particularmente, e em nome do Partido Comunista Português, expressar a nossa gratidão ao Conservatório de Música de Coimbra e aos seus responsáveis pela total disponibilidade e apoio para a realização desta importante iniciativa das comemorações do Centenário do nascimento de Álvaro Cunhal.

Agradecer a todos os artistas e técnicos participantes no espectáculo que se vai seguir e em relação ao qual todos estamos desejosos de conhecer e acompanhar, certos de que será um êxito e um momento de prazer e longa recordação.

Figura notável do Século XX português e dos princípios deste século XXI, a vida, pensamento e luta de Álvaro Cunhal justificam a homenagem que lhe prestamos.

Homem de invulgar inteligência, de firmes convicções, inteireza de carácter, Álvaro Cunhal, foi um político de acção e autor de uma obra notável que se afirmou como uma referência na luta pela liberdade, a democracia, a emancipação social e humana no nosso país e no mundo.

Dirigente político perseverante, estudioso e conhecedor da realidade portuguesa e das relações internacionais, Álvaro Cunhal, dedicou toda a sua vida à solução dos problemas da sociedade portuguesa e à concretização de um projecto de desenvolvimento ao serviço do país e do povo, por uma sociedade nova e pela independência nacional.

Recusando vantagens ou privilégios pessoais, assumiu consequentemente uma vida inteiramente dedicada à causa dos explorados e oprimidos.

Álvaro Cunhal resistiu a duras provas: vida clandestina, longos anos de prisão, torturas brutais, oito anos de isolamento nos cárceres fascistas.

Possuidor de uma densa cultura e dimensão humanista, Álvaro Cunhal combinou sempre uma esforçada intervenção concreta sobre a realidade, com uma profícua produção teórica.

No plano político, amplamente reconhecida é a sua contribuição em o “Rumo à Vitória” para a definição da estratégia e da táctica do Partido Comunista Português para a etapa da revolução antifascista portuguesa, como reconhecida é a influência que teve no desenvolvimento da luta contra a ditadura fascista, no fortalecimento e unidade das forças democráticas de oposição ao regime e, sobretudo, como guia para a intervenção e transformação revolucionária na nova realidade da Revolução de Abril.

No acervo de estudos e ensaio político abarcando uma diversidade de objectos e temas são célebres a tese pioneira sobre “ O Aborto Causas e Soluções” (1940), o seu trabalho de análise sobre a realidade dos campos em a “ Contribuição para o Estado da Questão Agrária”, o seu estudo histórico sobre um período tão significativo para a própria independência do país e tão exaltante pelo papel que o povo desempenhou na Revolução de 1383/1385 e que trabalhou em “ As Lutas de Classes em Portugal nos Fins da Idade Média”, mas também outros períodos da nossa história mais recente em “ A Revolução Portuguesa. O Passado e o Futuro”. Mas igualmente em “ A verdade e a Mentira na Revolução de Abril (A contra-revolução confessa-se), entre muitos outros.

Álvaro Cunhal interligou a sua intervenção revolucionária no plano político com um apaixonado interesse por todas as esferas da vida, nomeadamente na actividade de criação artística, que se expressa no plano da literatura, com o romance e o conto, das artes plásticas, com o desenho e a pintura, ou ainda na sua reflexão teórica sobre a estética.

Autor de uma dezena de obras literárias, de onde emergem, como expoentes maiores, o romance Até Amanhã, Camaradas e a novela Cinco Dias, Cinco Noites, ambos escritos no isolamento total da Penitenciária de Lisboa e é aí que leva por diante a notável tradução do Rei Lear, de Shakespeare.

É aí, nessa cela e, posteriormente, no Forte de Peniche – que desenha e pinta um vasto conjunto de quadros: os Desenhos da Prisão, dos quais estão publicados 41 e Projectos, oito belíssimos quadros a óleo sobre madeira.

Num dia de Festa da cultura como o da iniciativa de hoje, evocar Álvaro Cunhal não é apenas recordar o criador de cultura que foi, é acima de tudo mostrar o homem de cultura que era e que está bem patente na forma como via a arte, o papel do artista e a própria cultura.

Autor de uma arte comprometida e por onde perpassa o povo que sofre e luta, Álvaro Cunhal, via e defendia o fenómeno da criação artística como acto autónomo e profundamente livre de imposições, de “regras” obrigatórias, de escolas ou tendências estéticas preestabelecidas. Isso está bem patente no seu ensaio A Arte, o Artista e a Sociedade, uma obra onde se revela o valor social da criação artística.

A «Arte é liberdade» dizia-nos Álvaro Cunhal. «É imaginação, é fantasia, é descoberta e é sonho (…) Matar a liberdade, a imaginação, a fantasia, a descoberta e o sonho, seria matar a criatividade artística e negar a própria arte, as suas origens, a sua evolução e o seu valor como atributo específico do género humano».

Numa sociedade onde crescem as desigualdades e as injustiças sociais e onde a desesperança é servida quotidianamente em elevadas doses de cinismo, o exemplo de vida de Álvaro Cunhal, a sua força interior, a sua luta e a sua obra continuam a ser fonte de optimismo e confiança e um incentivo para quem luta e acredita na força criadora e libertadora dos homens e dos povos, armados com as armas da sua identidade e da sua cultura.

Mais uma vez os nossos agradecimentos pela vossa presença e homenagem.

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