Em Setúbal, avenida com nome de Álvaro Cunhal

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Setúbal, Cerimónia de descerramento da placa toponímica em homenagem a Álvaro Cunhal

Sábado 21 de Dezembro de 2013

Permitam-me que, em nome do meu Partido, saúde a decisão das instituições autárquicas de Setúbal na atribuição do nome de Álvaro Cunhal a esta rua desta cidade de tradição e luta democrática.

Homenagem justa que dificilmente consegue abranger o seu carácter multifacetado, a sua vida, o seu pensamento, a sua obra, a sua luta!

Desde muito novo fez opções de fundo na sua vida. Optou por se integrar nas fileiras dos que lutavam contra um regime ditatorial ainda em construção e assimilação do regime surgido em Itália, e que constituiria posteriormente uma tragédia para a humanidade – o fascismo.

Figura fascinante, Álvaro Cunhal soube usar a sua inteligência e a sua coragem e colocá-las ao serviço de um projecto portador da emancipação e libertação dos trabalhadores e do seu povo, solidário com outros povos. Era um revolucionário mas simultaneamente um humanista. Por detrás da sua firmeza e determinação inquebrantável revelava-se um homem que sofria com o sofrimento dos explorados e excluídos, com uma grande afectividade em relação às crianças.

A sua obra e o seu contributo teórico, ímpar na vida do seu Partido de sempre, não foi produto de uma reflexão isolada da realidade, antes se desenvolveu incorporando a opinião e a experiência colectivas.

Com a sua adesão ao Partido aos 17 anos rapidamente se destacou no movimento associativo estudantil, sendo eleito aos 21 anos Secretário-geral da Federação da Juventudes Comunistas Portuguesas, idade em que passou à clandestinidade.

O fascismo moveu-lhe uma perseguição implacável. Preso em 1937 e 1949 assumiu neste ano em pleno tribunal fascista uma corajosa e severa acusação ao regime de Salazar e a defesa da política do PCP. A brutal retaliação implicou uma pena de 11 anos de prisão, 8 dos quais no mais duro isolamento. Organizada pelo Partido dá-se a fuga de Álvaro Cunhal e de outros dirigentes do Partido da prisão-fortaleza de Peniche, o que constituiu um rude golpe na política repressiva do fascismo.

Chamado de novo ao Secretariado do Comité Central do PCP é eleito Secretário-Geral em 1961.

À luta revolucionária Álvaro Cunhal soube aliar a sua inteligência, a sua criatividade artística multifacetada. No plano teórico a sua contribuição é inigualável. Em centenas e centenas de textos, artigos, relatórios, livros, discursos, construiu um corpo teórico denso, original, riquíssimo, sempre enraizado na realidade portuguesa concreta.

Nela encontramos a sua importantíssima contribuição para a definição dos objectivos da reorganização de 1940-41 que continua em muitos aspectos a manter grande validade e actualidade.

Nela encontramos o Portugal do IV Congresso, realizado um ano após a derrota do nazi-fascismo e a adaptação do fascismo Salazarista a essa situação com o apoio de novos aliados e a resposta dada a essa nova realidade, a partir da definição da via para o derrubamento do fascismo e da concretização de uma ampla unidade democrática e antifascista.

Nela encontramos, no relatório Rumo à Vitória, a análise profunda e rigorosa da sociedade portuguesa nos anos 60 no plano económico, social, político e cultural, com a caracterização do capitalismo em Portugal e o seu enquadramento internacional, a definição da natureza do regime fascista, as suas contradições, a sua crise geral e a resposta necessária, procedendo de uma forma genial à caracterização da natureza da revolução que haveria de libertar Portugal da ditadura, a Revolução Democrática e Nacional com os seus oito pontos fundamentais.

Álvaro Cunhal foi um resistente, como outros milhares de camaradas, mas foi também um arquitecto e construtor da democracia de Abril.

Na sua obra posterior a Abril, caracteriza todo o processo de avanços e conquistas democráticas e revolucionárias de Abril, as derrotas e recuos, as suas causas. Para a compreensão dos tempos que vivemos, no limiar do 40º aniversário da Revolução de Abril, impõe-se a sua leitura e análise.

No plano partidário, define teoricamente um conceito novo e criativo do trabalho colectivo como princípio básico essencial do estilo de trabalho do Partido. Partido com experiência própria, construção teórica e prática do conceito do colectivo partidário. Com estas tarefas tão exigentes Álvaro Cunhal não deixou de revelar o homem integral, tanto no plano literário como no plano das artes plásticas, como autor de diversos estudos teóricos nesse campo e no da estética em geral, além dos de carácter histórico, social e político-ideológico.

Álvaro Cunhal é para nós comunistas do nosso tempo, um exemplo impressivo. Exemplo dos que nunca perdem a esperança e a confiança na luta por um mundo melhor, a quem as vitórias nunca descansaram e as derrotas não desanimaram, que como ele dizia “fustigados pelos ventos da ofensiva, mas sempre no rosto e no peito e nunca pelas costas”.

Intervindo com o seu Partido de sempre – o PCP – ao longo de mais de 74 anos de acção e intervenção política assumiu um papel principal na história portuguesa do século XX, na resistência antifascista, na luta pela liberdade e pela democracia, nas transformações de Abril, na defesa de uma sociedade mais justa.

O seu percurso e intervenção tiveram igualmente no plano internacional significativo impacto e reconhecimento.

Álvaro Cunhal revelou durante toda a sua vida, mesmo quando sujeito às maiores provações, aos mais de doze anos de prisão, a bárbaras torturas, às duras condições da vida clandestina, qualidades excepcionais como militante comunista e como ser humano.

Como reconhecimento de facto da obra, vida e luta de Álvaro Cunhal, a grandiosidade da homenagem prestada no seu funeral pelos comunistas, por democratas, por adversários políticos e ideológicos, pelo povo português, revela a sua dimensão.

Este acto de inauguração, possível pela convergência de vontades democráticas, realiza-se no centenário do nascimento do camarada Álvaro Cunhal. Fazemo-lo, naturalmente com emoção, valorizando a memória.

Mas olhando para estes tempos, onde se erguem sombras pesadas que recaem como cutelos sobre direitos sociais, sobre aspirações e interesses legítimos, sobre o exercício da liberdade, sobre a nossa soberania como povo e pátria, em que dos pântanos do conformismo e das inevitabilidades ressurgem as vozes do “não vale a pena”, guardaremos no coração da nossa memória o que foi, fez e escreveu Álvaro Cunhal.

Mas, mais do que isso – o que foi, fez e escreveu e aquela confiança que ele irradiava – é e será parte constitutiva do nosso projecto e indissociável da nossa luta a olhar para a frente, a confiar nos trabalhadores e no povo português, por uma vida melhor numa sociedade mais justa. Sempre e sempre a considerar que os valores de Abril serão parte integrante de um Portugal com futuro.

Do valioso e imenso legado que nos deixou também está o sonho que sabia ser possível transformar em vida: esse sonho milenário da erradicação da exploração do homem por outro homem!

Sonhando e fazendo porque a luta continua!

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